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Qual o sentido da vida?





"Viver é separarmos do que fomos para nos adentrarmos no que vamos ser no futuro, futuro sempre estranho"

 Gaston Bachelard

Quanto tempo longe deste espaço! Nesse tempo de distanciamento tivemos um curso sobre a escrita que rendeu muitas trocas e histórias. Um estudo da escrita como criação e trabalho. Um olhar para a palavra, matéria-prima da escrita, geradora de ideias. Segundo Eduardo Galeano, "a gente escreve contra a própria solidão e dos outros", pois escrita é comunhão. Isso vem ao encontro desse espaço que desde o princípio desejou criar ponte entre os leitores e agora busca edificá-la por meio da escrita.
Essa proximidade com a palavra, vem de minha primeira formação: professora de Língua Portuguesa. O desvendamento do universo da palavra sempre me intrigou e impulsionou para a aventura literária. Exerço esse trabalho há mais de 20 anos e não me canso das palavras, nem dos meninos e meninas que vejo descobrindo esse universo linguístico de que somos compostos.
Recentemente recebi a tarefa difícil de escrever sobre o sentido da vida para iniciarmos uma conversa com nossos alunos do Ensino Médio. Que tarefa difícil repito, pois a primeira coisa que me vem à cabeça é "viver", ou seja, o sentido da vida é esse "viver". E isso não tem nada a ver com lemas ou concepções a não ser mesmo "viver". Encarar isso como a realização das coisas que me tomam.
Somos seres divididos entre a fantasia e a realidade. A fantasia nos habita para nos auxiliar a criarmos sentidos para a vida, nos enchemos de ideias, ideais, alguns de desafios para que "talvez" a vida tenha mais sentido ou faça mais sentido. Algumas certezas também nos tomam, certezas de termos motivos para aqui estarmos, para nos encontrarmos com outras pessoas no percurso da vida. Vejo hoje também que se somam mais incertezas e reais escolhas do que de fato combinações de fantasia.
Para mim o sentido da vida vem sendo tomado, cada dia mais, pelo poema de Camões:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança,
Todo o mundo é composto de mudança [...]"

Nesse sentido, olhar para a vida como a mesma que pode mudar (e muda) independente da sua ou da minha vontade ajuda muito a ver o que é possível para nossa vida.
Olhar para a vida e ver essa mutabilidade só me foi possível depois de perder meu irmão quando ele ainda tinha apenas 30 anos para um acidente de carro. Isso trouxe a certeza da incerteza e das mudanças com que vamos aprendendo a lidar e a saber que a vida é isso. É de fato o viver, sem exatamente um Carpe Diem, mas o reconhecimento de que a realidade nos apresenta possibilidades de escolhas, que a cada a dia ganham novos sentidos que nós atribuímos a ela. .

E hoje, ao contrário, dos outros textos que sempre começaram com as referências literárias, encerro com um poema de Manoel de Barros:


EU NÃO VOU PERTURBAR A PAZ

De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.
Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.
Mas, ah! eu não vou perturbar a paz que ele depô na praça, quieto.

...

Até breve!
Gláucia Luiz Gotardo.

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