Há alguns anos faço parte da comissão julgadora do Concurso Literário “Vida Iluminada”, promovido pela Associação Unimed Mulher. É um concurso para pessoas com deficiência visual, com cegueira ou baixa visão. A cada ano os textos surpreendem pela forma de ver a vida. E a escolha do verbo “ver” é fundamental aqui, pois aqueles que por algum motivo não conseguem ver falam muito de como veem a vida e das cores que ela tem. É emocionante ler os textos e reconhecer as vozes que esperavam para ser evocadas, sejam lembranças vividas ou um futuro desejado. É emocionante ecoarem vozes a partir do contato com o texto literário e reconhecer que a literatura toca o sensível e o humano em cada um de nós.
Linhas que se somam à nossa malha da vida, linhas que se rompem por diferentes motivos, mas que constroem como e quem somos. A moça tecelã traz em si a voz de tantas histórias da tessitura da vida, de mulheres que teceram para construir quem eram, para aguardar amores. Além da tessitura da vida, a história também mostra que algumas malhas se desfazem, nos levam a desmanchar ou a refazer percursos, ações fundamentais para nossa permanência como sujeitos de desejo, não apenas de demandas.
Os textos do concurso deste ano de 2021, cujo tema foi “As malhas da vida”, foram produzidos a partir do conto “A moça tecelã” de Marina Colasanti que traz a personagem que constrói sua história a partir da tessitura das linhas, compondo presente e futuro a partir de fios que se entrecruzam. E esses fios permitiram que cada participante entrasse em contato com a malha de fios que compõe a vida de cada um de nós. E assim puderam tecer, por meio das palavras, textos que traziam fios de alegrias e tristezas vividos.
A personagem do conto vai construindo sua vida dia a dia a partir dos coloridos de cada fio, tece o alimento, o calor do sol, seu companheiro, assim somos nós que a cada caminho de vida escolhemos um fio que será somado a outros tantos fios responsáveis pela montagem de nossa malha da vida. Esse tema tem sido bastante caro desde que fomos abatidos pela pandemia, pois tanto se falou sobre o pós, sobre o tal “novo normal” e, na verdade, pouco se falou sobre como os fios que nos compuseram neste um ano e meio não foram exatamente traçados por nós, o quanto podemos até ter uma noção clara dos fios e das cores que desejamos na malha da vida, mas podemos ser atravessados por tantas outras linhas inesperadas.
E quantas demandas adentram nosso dia a dia que nos fazem nos afastar dos desejos, de estarmos atentos aos fios que se enlaçam em nossa trama da vida, considerando não apenas as escolhas que fazemos, mas também aquelas que não temos. Quanto dos nossos desejos se ocultam, ou mesmo alienamos, para darmos conta de tantas demandas a que somos chamados.
Isso aconteceu comigo, quanto desejo de voltar a este espaço, às palavras, e quantas demandas atravessaram esse caminho, quantas linhas tiveram que ser desfeitas para que pudéssemos voltar a ter o que dizer. Parece que 2020 me fez calar, me fez silenciar para encontrar palavras para conseguir compartilhar os temores que tomaram conta de mim, e não foram poucos, já que fomos arrebatados por muitos fios de tristeza, de perdas e luto. E mesmo assim, penso que estamos aqui de volta para resgatar cada palavra que ficou por dizer.
Assim voltamos e esperamos que esse texto chegue a você como fio de novo enlace, que voltemos a falar sobre literatura, psicologia e psicanálise com a linda parceria com a artista Somnia Carvalho.
Texto: Glaucia Luiz - psicóloga e professora
Ilustração: Somnia Carvalho, 2021
Emocionante...seu texto chega ao coração e me faz pensar em cada fio da minha vida da minha jornada.
ResponderExcluirLeitura deliciosa!!!!
Parabéns!!!
Inspirador! Parabéns!!!
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